Trem da esperança

Crônica:
por Leonardo G.P.



Trem da esperança


Todos os dias da semana, exceto sábados e domingos, eu pego trem. E faço isso desde meados de 99. E depois de todos esses anos, fazendo uso desse transporte público, (muito ruim diga-se de passagem) aqui de São Paulo, eu posso dizer que já vi muitas coisas.

Olhando para a janela, não vemos nada de muito interessante. Empresas desativadas, mato, córregos poluídos, olhando para dentro do trem, muda-se o que vê, mas nem por isso, é menos melancólico e vou lhes dizer porque...

Todo mundo que pega trem, sabe o quão difícil é. Tem dias que você pega um trem menos cheio, outros você vai "espremido" como se fosse uma sardinha dentro de uma lata. Eu vejo o trem como se fosse o tempo que temos aqui na Terra. Da mesma fora que você vai passando por experiencias, o trem vai passando pelas estações. Tem estação que entra algumas pessoas e outras que saem, da mesma forma, entram pessoas em nossa vida e outras também se vão. Acontece que o ser humano tem sempre um fiozinho de esperança de que as coisas um dia, vão melhorar.

Obviamente tem pessoas que esse fio está mais grosso e mais firme, vejo jovens com futuro promissor dentro do trem, vestidos com roupa social, debruçados em livros de informática, com smartphones no bolso ou como uma moça que vi hoje, que carregava um livro de direito, que mais parecia uma bíblia. Muitos deles, com cheios de olheiras, por noites de estudo, ou pelo mix destruidor de noites de estudo, com noites de baladas.

Por outro lado, você vê pessoas com esse fiozinho, bem menos esperançoso. Muitos homens na faixa dos 40, 50, 60 anos, que já não veêm muita perspectiva de melhora, se conformam com a situação e procuram nas conversas sobre futebol, ou em algum outro tipo de distração como a música por exemplo, o alento para o seu dia a dia ser menos doloroso.
Mãos calejadas, recheadas de marcas do tempo. Rostos tristes, com expressões de tristeza e de sofrimento graças à longos anos de trabalho e experiências nem sempre bem sucedidas...

Às vezes, vejo meninas adolescentes com celulares enormes, cheios de luzes e efeitos, conversando com suas amigas, sobre a balada do final do semana, dos rapazes que elas "pegaram" e dos que elas querem pegar, enquanto isso, vejo um tiozinho, olhando com um olhar de quem não pertence à aquele novo mundo que está à sua frente, impressionado com a velocidade que os dedos da garota frenecticamente digitam no teclado do celular palavras e mais palavras, obviamente num desses What's Up(s) da vida, que aquele tiozinho, nem sabe o que é.
Isso não quer dizer, que não tenha gente de origem mais humilde que também faça uso desses celulares modernos. Muitos preferem se endividar nas Casas Bahia, ou em qualquer outro grande magazine, gastar o que não tem, para também poder usar o celular, o facebook, ouvir música e What's Up é claro. De alguma forma essas pessoas se sentem inseridas dentro de um grupo.

Parece que o ser-humano para se sentir inserido na sociedade hoje, ele tem que ter internet no celular e em casa, playstation, tv de led e um carro. Aqueles que ainda não tem, com certeza estão lutando para ter, aqueles que já possuem esses bens, querem melhorar, querem trocar por equipamentos mais novos e aqueles que já tem os mais novos, ficam na espera de algo novo para consumirem. E tem aqueles também que tiram um barato da cara, dos que não tem, como se fosse obrigação para ser feliz, ter tudo isso sob o alcance de suas mãos.

No trem também vemos senhoras, cansadas da vida, cansadas de terem criados seus filhos e agora estão preocupadas em criarem seus netos. Algumas até, estão levando os netos no médico, enquanto as filhas trabalham.
Algumas dessas filhas mães solteiras. Tiveram filho cedo, com algum rolo que se encantou em alguma baladinha do final de semana, depois percebeu que o cara só queria uma noite e nada mais e ficam grávidas com a certeza de que não terão o apoio dos supostos pais.

Essas senhoras humildes que normalmente vejo, costumam andar com bolsas, sacolas e malas enormes e justamente por esse motivo são incompreendidas por muitos. Quantas vezes já vi algumas dessas senhoras, serem empurradas por homens fortes, que querem a todo custo entrarem no trem. O sujeito prefere todo dia levantar em cima da hora e empurrar os outros, porque ele acha que tem o direito de entrar no trem, (não que ele não tenha), mas não de entrar no trem empurrando senhoras, senhores, crianças, mulheres e tudo que vier pela frente. Esses dias mesmo, um sujeito de feição sisuda, fez isso que relatei acima. Empurrou, empurrou, se esticou, ouvi um grito de alguma senhora, ele não se comoveu nenhum pouco, colocou mais força ainda e conseguiu entrar até que a porta do trem se fechou. Pensei em tomar as dores da senhora, mas como?? Não sei a índole dele, se é um sujeito do bem, ou não, se pode estar armado, ou não, como vamos saber né?? Simplesmente baixei a cabeça e aceitei o inaceitável...

Outro personagem muito comum no trem são as mulheres sonhadoras. Namoradas, amantes ou solteironas que ficam lendo livros de romance, enquanto o pau come solto na porta do trem, algumas delas ficam lá no final do vagão, sentadas, (muito provavelmente) porque pegam o trem nas primeiras estações, lendo seus livros e pouco se lixando para a confusão que está rolando em quem está de pé, principalmente na região da porta. Algumas bem vestidas, como se estivessem indo para uma entrevista de emprego, em alguns casos é isso mesmo, em outros, é para impressionar alguém.
Esses dias inclusive, uma que estava sentada meu lado no banco do trem, estava lendo aquele livro "50 Tons de Cinza", com aliança de noivado no dedo e toda empolgada lendo o tal livro que conta a história de um conquistador que trata as mulheres que ele se envolve de maneira diferente sexualmente fazendo com que elas se torne "escravas" dele. A moça lia o livro, mexia no cabelo, roía a unha, demonstrando ansiedade e excitação ao ler aqueles contos relatados no livro, confesso que achei engraçado tudo aquilo. Tem horas que eu acho que as pessoas se esquecem que estão num lugar público, o trem vira tanto rotina, que é normal se emocionar sem se preocupar com o que está ao seu redor, se bem que no caso dela, não era bem emoção que ela parecia estar sentido....rss

Hoje, o trem está tão lotado que nem vendedores mais tenho visto. Com certeza a fiscalização apertou contra eles, mas era comun até poucos anos atrás, além de você ter que dividir espaço com as pessoas que pegam trem todos o dias, ter que dividir também espaço com vendedores. Muitos deles, com chocolates na mão, de qualidade duvidosa e origem idem, tentando com piadinhas e frases de efeito, vender o máximo que pudessem, antes do guardar levar embora é claro. Tinha também os repentistas, que tiravam um barato com a cara de todo mundo e ainda desejam que a pessoa foi "zuada" ops, que assistiu o seu "show", desse dinheiro para eles. Sim, antes que pergunte, eu já fui vítima desses repentistas...rss
E não é nada legal ser zuado às 7 e pouco da manhã e ainda ficar exposto perante dezenas de pessoas. E pior, se você não dá uma moedinha sequer para o cara, você ainda se passa por mão de vaca...

O engraçado é que eu mudava de vagão quase todos os dias e sempre concidia de eu encontrá-los. Era realmente a Lei de Murphy ali, na prática acontecendo naquele momento...

O fato é que no trem, misturam se tudo. Pessoas de condição financeira até que boa, outros miseráveis, pobres sem perspectiva. Meninas novas que só possuem duas coisas em mente, estudar e namorar, alheias ao mundo que estão vivendo, alheias a política que acontece no país, estão mais preocupadas em postar o selfie que fez com as suas amigas, do que com o preço da gasolina...por outro lado rapazes com cara de nerd, estudiosos, que se debruçam sobre livros, esperando que um dia surja uma oportunidade de emprego numa boa empresa, que lhes paguem um bom salário e para que eles possam tentar conquistar talvez essas mesmas meninas que comentei dos selfies, idosos ahhhh, quantos velhinhos vemos no trem, aposentados, muitos deles indo ao médico, porque para muitos, o único passeio certo, é ir ao médico, ou ao banco receber a miserável aposentadoria. Crianças, muitas crianças, bebês chorando no colo de mães, mães grávidas de outras crianças que virão ao mundo, para sofrerem também e pegar trem, com certeza. Aliás, porque colocar uma criança no mundo, se essa pessoa, as vezes mal tem condições de cuidar de si própria né?? De qualquer forma, quem sou eu para julgar alguém né??

A vida se renova nem sempre da maneira mais correta, não que exista uma maneira correta, mas pelo menos, alguns cuidados e conciência, as pessoas deveriam ter, filho é muita responsabilidade, não é fácil não...graças à Deus, tenho conseguido dar tudo que ele precisa, nessa fase da vida dele, espero poder continuar dando tudo que ele precisa, até que se torne um adulto, que não queira mais morar com os pais...


Por falar nisso, um dos fatos que mais me tocou, nesses anos todos, foi duas menininhas sujas, época de final de ano, viam um desses vendedores passando, com uma caixa de algo que queria parecer muito, com uma caixa de bombons Ferrero Roche. E o vendedor passava e as crianças puxavam a saia daquela mulher que parecia ser avó delas. -Eu quero, bradou uma delas, com uma carinha meio de quem sabe que está pedindo, algo que não era para pedir. E essa mulher não tinha dinheiro para comprar, olhava para cima, para os lados, com cara de quem pedia aos céus, chega logo trem, no seu destino!!! Mas o trem não chegava e aquele chato daquele vendedor, fazia questão de passar em frente das duas garotinhas toda hora, como se ele fosse triplicar as vendas, se permanecesse naquele pedaço do trem, muito insistente em ir para lá e para cá.

Pode parecer besteira, mais 2 reais para alguém assim, é muito. Faz uma diferença enorme. Sem me estender muito, eu comprei o chocolate e dei para elas. Aí a mulher disse em tom de ordem: -Agradeçe o moço e uma delas antes de abrir o chocolate e comer, olhou para mim com um olhar meio desconexo e triste e disse: -Moço, Deus te abençoe. Eu, emotivo como sou, já prestes a chorar, falei: -Que ele abençoe vocês também. Minutos depois desci do trem e pensei com o coração sincero: -Porque crianças tão pequeninas, precisam passar por isso?? Um pouco antes de descer aquela mulher tinha pedido à elas que dividissem aquele bombom, elas deixaram os brinquedos velhos e quebrados de lado e ficaram lutando com o papel da embalagem, para abrirem e comerem logo aquele bombom, vai saber que horas tinham feito a sua última refeição??
Mundo injusto? Mundo sem esperança? Mundo cruel? Não sei, não sei responder à todas essas perguntas, só sei que esse é o mundo real, que nem todo mundo sabe que existe, mas que vemos todos os dias, sentados ou em pé, junto da janela de um trem. 

Muitos moradores das regiões mais ricas da cidade, só sabem que existe esse mundo, porque às vezes vê da janela do seu belo apartamento, ou do seu belo carro, mas saber saber mesmo, como funciona, poucos sabem...e muitos eles nem querem saber...





















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